sábado, 3 de novembro de 2012

Jacaré Marcou...




Já tinha se passado meia hora depois daquele susto. No mocó da “Branca”, um barraco meio desarranjado lá pelos lados da Azenha da segunda metade do século passado, os “ratos” tinham feito uma “reviradeira” no pobre mobiliário atrás das “parangas” e não tinham encontrado nada. Depois das bordoadas de praxe, aborrecidos por terem perdido o “flagra”, se foram no camburão deixando a turma meio dolorida e chateada pelo ocorrido. Naquela noite fria estava reunida a fina flor da zona, os malucos da rua, os “defensores dos frascos e comprimidos”, a turma “do que vier vem bem”. Encabeçando o bando “Cabelo”, o ”vapor” do bairro, desconfiado e irritadiço, como todo bom homem de negócios, seu mano “Cacau”, “Feio”, cujo apelido dispensa comentários, “João Boca”, negro alto sem os centroavantes e outros jogadores faltantes na boca, “Chinês”, “Apache”, com sua tirinha de couro na cabeça, sempre professoral, e “Macaco”, ou como gostava de ser chamado “Monkey”. Todos bons amigos, tinham crescido juntos, eram comparsas de pequenos golpes, e quando a mesa era farta eram pródigos em favores entre eles e “presas” de drogas de todo o tipo. Quando vinham as “vacas magras” entretanto se tornavam mesquinhos a ponto de afanarem as roupas do varal do amigo mais chegado para com sua venda poder adquirir os “produtos” que necessitavam para manter o bom humor, a moral elevada e a prodigalidade. Esse comportamento instável e pouco leal sempre gerava pequenas escaramuças do tipo uma tijolada ali, uma facada aqui, rixas que eles sempre matavam no peito sem botar a “justa” no meio. Quando a poeira baixava esqueciam as desavenças passadas e voltavam à boa, ou melhor voltavam às “boas”. Naquela noite após a interrupção da noitada pelos “home” foi “Cabelo” que, irritado, quebrou o silêncio: 


- Onde é que tá o “galo”, a “paranga”, quem foi que mocozou? – Falou para todos com cara de poucos amigos. 

- Hum!? – respondeu o “Joâo Boca” – com os olhos arregalados pelo susto ainda recente. 

- Deve estar no mocó oras – falou “Cacau” com a língua arrastada, naquele seu jeito de “panca” de sempre – Aonde mais? 

-Cala a boca animal, cê nem pára direito de pé. Aqui não tá não! – contestou “Cabelo”. 

- Tava com o “João Boca” - disse “Feio”- Era ele que tava “apertando” quando deram a batida. 

-Humm, humm! – balançou negativamente a cabeça o “Nego Boca”. 

- Tava com o “Cacau” – Disse “Apache” para botar “panos quentes” – pois sabia que com o irmão o “Cabelo” ia pensar duas vezes antes de dar uma garrafada. 

- Vou nessa – disse “Monkey”- A boca ficou “sujeira”. 

- Fiquei “de cara” com vocês – lançou “Cacau” injuriado, olhando para todos. 

- Ora velho, pelo menos os “home” não acharam o “mocó” – retorquiu “Apache” sempre na moral – Senão agora nóis tava tudo na “delega”. 

Nisso foram saindo um por um do barraco meio desconfiados uns com os outros e sob o olhar irado de “Cabelo” que não prometia coisa boa. “Monkey” e “João Boca” saíram juntos. Após dobrarem a esquina o “Boca” tirou a “paranga” que estava escondida entre os vazios dos dentes, nas bochechas, revelando o segredo da sua mudez repentina. “Monkey” olhou maravilhado para o tesouro recuperado e proferiu uma sentença lapidar: - Jacaré marcou, virou bolsa de madame – E foram alegremente dividir o butim